Um ventre da informática brasileira
A criação da FDTE está no entremeio do nascimento dos dois primeiros computadores totalmente brasileiros.


A Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) tem suas origens diretamente ligadas ao sucesso do Patinho Feio, o primeiro computador construído no Brasil, inaugurado em 1972, e à necessidade de se criar um ambiente ágil e estruturado para desenvolver o G-10, o primeiro computador brasileiro com finalidades operacionais fora do ambiente acadêmico, concluído em 1975.
Em 1972, o reitor da USP percebeu que a estrutura administrativa da universidade não tinha a rapidez necessária para atender à demanda da Marinha do Brasil, que havia solicitado o desenvolvimento de um computador de alto desempenho. Assim, o professor Miguel Reale optou pela criação de uma fundação que pudesse viabilizar a realização do projeto do G-10, resultando, então, na criação da FDTE em 1º de dezembro de 1972.
A FDTE foi responsável por coordenar e gerir um grande arranjo institucional, criando um modelo bem-sucedido de colaboração entre universidades, governo e empresas privadas, que se tornaria referência no país.
Veja as origens da FDTE e como ela foi importante na geração da informática brasileira:
O Patinho Feio, concluído em julho de 1972, foi o primeiro computador inteiramente idealizado, projetado e construído no Brasil, no Laboratório de Sistemas Digitais (LSD) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Esse computador tinha finalidades acadêmicas, sendo utilizado principalmente para ensino e pesquisa. A máquina tinha dimensões consideráveis, pesando cerca de 120 kg, com uma caixa de um metro de largura, 84 centímetros de altura e 48 centímetros de profundidade. O Patinho Feio não tinha monitor, teclado ou mouse, seus periféricos eram teletipos com impressoras matriciais, que serviam para introduzir dados e receber informações processadas.
Seu processador era modesto para os padrões atuais, com uma memória de apenas 4 KB, cerca de um milhão de vezes menor que a de um smartphone comum hoje. Era composto por 450 pastilhas de circuitos integrados, distribuídas em 45 placas de circuito impresso, conectadas por cerca de 5 mil pinos usando a técnica wire-wrap. Tinha uma memória de 4.096 palavras de 8 bits. A comunicação com o computador era feita por meio de fitas de papel perfuradas com marcações binárias (0 e 1), lidas pelo teletipo para interpretar os comandos e processar as informações. Apesar de ser um computador de pequeno porte, o Patinho Feio era maior que os computadores utilizados pela NASA nas missões Apollo à Lua.
A criação do Patinho Feio teve um impacto profundo na formação de engenheiros e cientistas no Brasil. Ele mostrou que era possível desenvolver tecnologias complexas dentro do país, e seu sucesso foi a base para projetos maiores e mais complexos. A partir desse êxito, a Marinha solicitou à USP o desenvolvimento de um computador de alto desempenho, que pudesse ser utilizado em embarcações militares, o que culminou no projeto do G-10.
O G-10 foi encomendado pela Marinha para substituir os computadores utilizados em fragatas adquiridas da Inglaterra, que eram todos de tecnologia estrangeira. Sob a liderança da FDTE, o projeto do G10 foi desenvolvido em duas etapas. A primeira, iniciada em fevereiro de 1973, focou no desenvolvimento do protótipo do computador. A Poli-USP foi responsável pelo hardware e pelo software básico, enquanto a PUC-RJ elaborou softwares complementares.
Concluído em 1975, o G-10 representava um grande salto tecnológico em comparação ao Patinho Feio. Sua configuração básica incluía 64 KB de memória, um disco removível de 10 MB, leitora de cartões de 80 colunas, que processava 300 cartões por minuto, e uma impressora capaz de gerar mil linhas por minuto. Ele também contava com um console e um sistema operacional próprio, desenvolvido especificamente para gerenciar o processamento dos dados de alta complexidade, necessários para suas funções militares.
O G-10 não apenas atendeu à demanda da Marinha, mas também serviu como base para o desenvolvimento do primeiro computador comercial brasileiro, o Cobra 530, fabricado pela empresa Cobra – Computadores Brasileiros, criada em 1974 para desenvolver e produzir computadores no Brasil. Esse modelo foi um marco importante na industrialização da tecnologia de computação no país e abriu as portas para o surgimento de diversas outras empresas e iniciativas no setor de informática.
Quando o primeiro modelo da linha, o Cobra 530 entrou no mercado, foi um sucesso, outros modelos foram lançados e, ao longo dos sete anos de sua vida, foram instalados 2.631 sistemas.
Tanto o Patinho Feio quanto o G-10 desempenharam um papel fundamental no surgimento da indústria de computadores no Brasil. O Patinho Feio foi um marco na formação de engenheiros e cientistas da computação, que mais tarde contribuíram para o desenvolvimento de empresas nacionais de tecnologia. Um exemplo desse impacto foi a criação da Scopus Tecnologia, fundada por ex-integrantes da equipe do Patinho Feio, que se tornou uma das principais empresas brasileiras de microcomputadores nos anos 1980.
Já o G-10 foi o primeiro computador brasileiro desenvolvido para finalidades operacionais, saindo do ambiente puramente acadêmico e entrando no campo militar e comercial. Ele foi a base para o desenvolvimento da linha Cobra 530, que consolidou a primeira empresa nacional de informática e marcou o início da indústria de computadores no Brasil. Além disso, o desenvolvimento do G-10 mostrou que o Brasil tinha a capacidade de desenvolver e fabricar seus próprios equipamentos, algo de enorme importância para a soberania tecnológica do país.
Eles foram fundamentais também no delineamento da Política Nacional de Informática no Brasil, que começava a ganhar força no início dos anos 1970.
A criação da FDTE foi crucial para o sucesso do G-10. A fundação permitiu que os recursos, tanto financeiros quanto humanos, fossem gerenciados com mais agilidade do que seria possível dentro da estrutura tradicional da USP. Isso proporcionou um ambiente flexível e dinâmico, que facilitou o desenvolvimento não apenas do G-10, mas de inúmeros outros projetos que se seguiram.
A história do G-10 é um exemplo de como a integração entre a academia, o setor público e a indústria pode gerar resultados de grande impacto para o desenvolvimento tecnológico de um país.
O Patinho Feio não funciona mais e está exposto no prédio da Administração da Poli-USP, na Cidade Universitária, em São Paulo, SP.
Um exemplar do G-10, também inoperante, está nas dependências da Marinha na Cidade Universitária da USP.